domingo, 1 de março de 2009

Vice-versa de março



Após o recesso, o vice-cersa está de volta com dois autores indicados ao Prêmio Açorianos de Literatura Infantil 2008. O veterano Dilan Camargo e Alexandre Brito, estreante em LIJ. No próximo vice-cersa a terceira indicada na mesma categoria, Ana Terra, também dará as letras por aqui.

Dilan pergunta. Alexandre responde.

Dilan Camargo - Na tua estréia na literatura para crianças, com o teu Circo Mágico, chegaste a finalista do Açorianos 2008. Como te sentes agora no ambiente da literatura infantil?
Alexandre Brito - Bem a vontade Dilan. Na verdade fiquei surpreso com o grau de naturalidade com que isso aconteceu. Sinto que os escritores que lidam com esse universo, como você, têm um entendimento e uma elaboração intelectuais que se dão em bases muito interessantes, com as quais me identifico. Compreendem a grandeza/importância (e universalidade) do simples. Como já disse alguém, "...não há nada mais profundo que a pele." Nós seres humanos costumamos complicar demais as coisas. complicar o que não é complicado. Assim, como buda procurou e achou o tal "caminho do meio", quem escreve para a criança, de certa forma, deve procurar o "caminho do simples". Achá-lo pode ser complicado. Até porque "simples" não quer dizer "fácil". Mas também não é tão difícil assim. É um desafio e uma aventura muito legais, tanto do ponto de vista artístico, quanto existencial.

DC - Tens uma larga experiência escrevendo poesia para adultos. Como foi escrever poesia para crianças? Mudaste a tua visão da poesia?
AB - Alarguei. Tive de ampliar meu horizonte. Ampliar no sentido de ser capaz de criar dentro de um espaço estrito, definido, dado. No poema adulto exploro as possibilidades da linguagem sem qualquer limite ou pudor. O que é uma bela empreitada. Já na construção do poema para a criança o desafio é outro. Trabalho dentro de parâmetros pré-determinados. É como futebol. O poema adulto é futebol de campo. O poema para criança é futebol de salão. São exigidos em ambos os casos, empenho, arte e maestria com a bola, mas o espaço, a quantidade e a natureza dos elementos em jogo são diferentes. No fim o que realmente interessa é botar a pelota no fundo da rede e correr pro abraço comemorar o gol.

DC - No teu contato com as crianças como percebes a recepção da poesia por elas?
AB - É espantosa. Espantosa pelo aspecto do encantamento. As crianças possuem uma capacidade surpreendente de maravilharem-se. São pessoas inteiras, intensas, verdadeiras. Seres completos. De uma inteligência muito muito peculiar. Inteligência ainda não integralmente tutoriada pelo ego e pelo super-ego. A inteligência em estado bruto, puro. Por isso essa usina de perguntas que são, de curiosidade ilimitada, de liberdade de pensamento e imaginação. Interessante notar o quanto a linguagem poética as sensibiliza. Os elementos estéticos, sonoros, musicais, como a rima por exemplo, lhes são extremamente agradáveis, familiares. Um bom poema lhes enche de fascínio e admiração. Outra coisa maravilhosa: com elas não tem curé-curé. São absolutamente autênticas. uma sinceridade só. Se gostam, gostam, se não gostam, não gostam. ponto. Parece que possuem um desconfiômetro natural para a boa poesia. Nesse sentido sou todo alegria, pois o meu primeiro livro, "Circo Mágico", foi super bem recebido. Pelas escolas que percorri e com as crianças que conversei, tive um retorno extremamente gratificante. Mas preciso registrar uma coisa. Algo que me impactou de forma indelével foi me dar conta de estar, decisivamente, fazendo parte do processo de construção de alguém. Uma sensação, uma experiência, impagáveis. E o melhor, se repete a cada encontro, a cada lançamento. Isso reforçou meu senso de responsabilidade artística. Nunca havia experimentado algo sequer parecido anteriormente. A poesia adulta, acredito, raramente oferece esse tipo de remuneração. É maravilhoso.

DC - E agora, Alexandre? Quando tens uma "inspiração" para escrever um poema, é fácil distinguir se ele se destina aos adultos ou às crianças?
AB - Sim. Acho que sim. Com esse exercício, com os dois lados do cérebro trabalhando juntos, quer dizer, o "tico" e o "teco", tô começando a aprender a chutar com os dois pés (risos).

DC - Vem por aí um novo livro de literatura infantil?
AB - Sim sim sim. Vem dois. Livros de poesia. Para crianças de todas as idades espero. O "Lagartixas", que está pronto, com poemas curtos, poemínimos. E o "Museu Desmiolado", ainda em escrevinhação, o "Desmiolado" é um livro com poemas que contam de um museu estranho, improvável, divertido. um museu de museus. E nesse museu de museus tem até o "museu do chulé". O "Museu Desmiolado" é desmiolado mesmo. risos.


Alexandre pergunta. Dilan responde.

Alexandre Brito - Dilan, em que medida (ou de que maneira) a experiência direta com o leitor da tua obra infantil, esse contato sincero, caloroso, epidérmico, que se dá com as crianças nas visitas às escolas e Feiras de Livros pelo Rio Grande (e fora dele) mexeu com a tua visão de mundo?
Dilan Camargo - Profunda e radicalmente. Posso dizer que redescobri a natureza da infância na sua inocência e na sua capacidade de perceber o mundo de modo sensível e inteligente.Percebi o quanto o nosso mundo adulto tornou-se alheio, omisso e até hostil ao mundo infantil, principalmente visível em certos segmentos da sociedade, voltados ao consumismo e às representações de status.
Descobri porém, com alegria, a existência de um nova geração de pais e mães que compartilham afetivamente a educação de seus filhos e que procuram criá-los à luz dos valores humanos mais elevados. Reforcei minhas convicções na importância da educação, principalmente ao conviver com professoras e crianças das escolas públicas, nas diferentes séries, e sentir o quanto a escola representa nas suas vidas. Foi nessas visitas que recebi um belo elogio de uma pequena leitora: “Dilan, gostaria que tu fosses meu pai”. E depois, uma menininha me fez uma das perguntas filosoficamente mais complexas: “Dilan, com quantos anos tu nasceu?” Como não mudaria minha visão de mundo? E, olha Alexandre, literatura para mim é linguagem e visão de mundo.

AB - Ainda sobre essa mesma experiência, no tocante à criação, essas vivências provocaram alguma mudança, algum impacto na literatura que fazias até então?
DC - Sem dúvida. Pude perceber a imensa distância que uma boa parte da literatura infantil mantém do mundo infantil, e o quanto a minha própria deveria ainda aproximar-se. Reformulei meu texto, em alguns aspectos, e consolidei-o noutros, num processo contínuo de aprendizado e aperfeiçoamento. Apostei mais na minha intuição poética. Tenho evitado a chatice de um “pedagogismo literário” ou de um “lirismo artificial”, sentimentalista, que desconsidera a sensibilidade e a inteligência infantil. Passei também a escrever poemas interativos, o que venho fazendo desde o poema “Chamem o poeta” para adultos. Um dos poemas de maior interação do meu recente livro “BrincRIar” é justamente “Ado...ado...ado”.

AB - Esta é uma pergunta estilo "quatro em uma". risos. meu primeiro contato com a tua obra (e contigo) aconteceu no final dos anos 70 com a peça teatral "Casa da Suplicação", de tua autoria e dirigida pelo talento do saudoso Carlos Carvalho. na esfera dramatúrgica, tens algum texto voltado para o público infantil, em fase de gestação ou em vias de montagem? discorra pra gente sobre a dramaturgia que se faz hoje para as crianças.
DC - A “Casa da Suplicação” foi escrita nos tempos do período ditatorial no Brasil e procurava ser uma denúncia da repressão e da falta de liberdade. Uma peça política, como os tempos exigiam. Hoje, felizmente, a arte libertou-se da política, ao menos da imediata, já que numa dimensão mais ampla toda arte é política. Tenho boas lembranças daquela empreitada artística e dos bons amigos que fiz, como tu e nosso saudoso Carvalho. Já estou numa idade de rever fotografias. ( risos )
Conheço pouco a dramaturgia feita para crianças, atualmente. Passou meu tempo de levar minhas filhas ao teatro infantil ( risos ) Considero o teatro infantil muito importante para as crianças porque hoje elas estão expostas demasiada e irresponsavelmente a uma “dramaturgia televisiva” inadequada para pessoas em formação, sem as defesas psicológicas e culturais dos adultos.
Gostaria muito de adaptar o meu personagem “O vampiro Argemiro” para o teatro infantil.

AB - Juntamente com a escritora Ana Terra, tive a alegria de dividir contigo a lista de indicados ao Prêmio Açorianos de Literatura Infantil em 2008. o que representou para você a distinção de receber este prêmio, que talvez seja o mais importante na cena literária Gaúcha?
DC - Primeiro, tive a alegria de repartir a tríplice indicação juntamente contigo (e já no teu primeiro livro para a gurizada) e com a Ana Terra. Com a indicação, já estávamos premiados. O Prêmio Açorianos, certamente o mais importante no âmbito da literatura gaúcha, é sempre um registro histórico do reconhecimento literário e social de uma obra, no caso o meu livro de poemas para crianças “BrincRIar”. Foi uma alegria e um estímulo, principalmente para um dos meus livros mais próximos do mundo infantil, e um dos mais bonitos, graças às belíssimas ilustrações do Joãocaré. É um livro que já nasceu feliz e que gosta de brincriar com as crianças.

AB - Pra terminar, conte alguma coisa pra gente dos teus projetos para 2009. daqueles guardados na manga. vem livro novo por aí?
DC - Neste verão tenho andado de mangas curtas... ( risos ) Conclui a revisão final de um livro de poemas para a gurizada: “A galera tagarela”. Ele já havia sido publicado há alguns anos. Retirei justamente aqueles poemas que considerei distantes de um formato de literatura infantil que tenho buscado. Mais da metade dos poemas são novos. O livro já está com o Joãocaré e tenho certeza de que ele fará ilustrações muito bonitas.
Terminei também a versão final de um livrinho em narrativa: “Diário sem data de uma gata”. É o pequeno diário de uma gata siamesa. Inspirado no cotidiano da Lili, a gata da Magda e minha, nessa ordem. ( risos )
É provável ainda que neste ano saia publicado um livro de poemas para o público infanto-juvenil pela Editora Projeto. A Annete Baldi é corajosa e aposta em livros de poemas, também. O título provisório dele é : WWW.poesia.com Escrevo para um outra faixa etária, os jovens. Meus antigos leitores infantis poderão me reencontrar.
Estou também concluindo um livro de poemas para adultos:”Poesia Perra”. É um livro de poesia pesada, “cansado de lirismo”, como o poema do Manoel Bandeira. Dou voz a um “ser-sem-ser “ que fala da crise social da violência brasileira. Penso que estamos brincando de sociedade no Brasil e que a epidemia da violência vai piorar. Tenho outros projetos literários a meio caminho. Há muito que andar.
Alexandre! Um abração!

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