Dois autores que escrevem para jovens. Um de lá (RJ), outro de cá (RS). Luís Dill e Sandra Pina trocam ideias nesse nosso vice-versa de junho, pra São João nenhum botar defeito.
Sandra Pina pergunta. Luís Dill responde.
Sandra Pina - Voltando aos tempos da faculdade de jornalismo, você já se imaginava um escritor de livros para crianças e jovens? Se não, quando/algum motivo em especial acionou esse clique?
Luís Dill - Na verdade o jornalismo entrou na minha vida por causa da vontade de ser escritor. A primeira resposta que lembro de ter dado à clássica pergunta “O que tu vais ser quando crescer?” foi: escritor. Mais tarde, na época de escolher um curso, fiquei entre Biblioteconomia, Letras e Jornalismo. Optei pelo que julguei mais simples: jornalismo.
SP - Percebo em sua obra um paralelo marcante com a dura-realidade-violenta dos noticiários. O quanto do jornalista influencia a obra do escritor?
LD - Creio que seu eu fosse veterinário, comerciante, ou tivesse qualquer outra atividade, ainda assim, escreveria sobre a dura-realidade-violenta. Porque é um tema que me preocupa e, imagino eu, uma forma de contribuir para a solução do mesmo é oferecer oportunidades de reflexão.
SP - Às vezes eu acho que uma das maiores dificuldades de um escritor é dar um desfecho inesperado, criativo e, principalmente, factível à uma história - em especial àquelas que se desenrolam com uma pitada de suspense. Onde você busca inspiração para seus finais? Você os reescreve muitas vezes até chegar ao tom ideal? ou nascem de primeira?
LD - Não tenho um método. Meu processo criativo é variado e por vezes caótico. Claro, em alguns livros preparo tudo com antecedência. Em outros, deixo a história e os próprios personagens me auxiliarem. Neste caso é preciso estar sempre atento às possibilidades que surgem.
SP - Na hora de elaborar uma história, qual a sua primeira preocupação: a criação dos personagens? a forma narrativa? o tema central? o cenário? ou nada disso?
LD - As histórias me chegam de infinitas maneiras. Procuro filtrar o manancial, guardar apenas as boas. A partir daí, em geral preocupo-me primeiramente com a arquitetura ficcional, ou seja, a cara que a história terá. Porém, em algumas ocasiões os personagens e os temas me conduzem.
SP - Se não fosse escritor, que outra forma de arte você escolheria para se expressar? Que outra profissão teria? (e não vale dizer jornalista, tá?)
LD - Sou apaixonado por arquitetura. Compro livros e revistas de arquitetura regularmente, além de estudar de modo informal. Não me aventurei na área porque não sei desenhar nada.
SP - (posso fazer mais uma?) É só um bate-bola rapidinho, inspirado naquele lendário programa cultural francês do Bernard Pivot (Bouillon de Culture):
palavra que adora: oxigênio (especialmente se dita em espanhol)
palavra que detesta: enfim
barulho que inspira: silêncio
barulho que tira sua inspiração: grito
melhor hora do dia para criar: pela manhã
profissão que jamais teria: bailarino
se o céu existe, o que gostaria de ouvir ao chegar lá: cadê meu pára-quedas?
Luís Dill pergunta. Sandra Pina responde.
Luís Dill - Quando e como os livros entraram na tua vida?
SP - Ih.... faz tempo... quando eu era bem pequena, ainda não estava na escola, minha mãe ficou doente e tinha que fazer repouso todos os dias. Então, pra conseguir aquietar três crianças (eu e minhas duas irmãs mais novas) ela lia. Lia Lobato, histórias em quadrinhos, livros infantis. E eu ia perguntando onde ela tinha lido tal palavra, e coisas assim. Eu só queria era poder ler aquelas histórias sozinha, sem precisar esperar pela "hora do repouso". Essa é a lembrança mais antiga que tenho. A medida em que fui crescendo, fui me transformando numa leitora voraz, e, por causa dos livros que lia, fui querendo ser escritora.
LD - O quanto da tua infância aparece nos teus livros?
SP - Muito!!! Na verdade, tem muito da infância que eu tive e muito da infância que eu idealizava. Mas não são exatamente situações, são mais sentimentos, pensamentos, sensações. Algumas vezes, ela bem descaradamente, em outras, fica escondidinha nas entrelinhas.
LD - Surgiu uma idéia. E agora?
SP - Noites em claro. Concentração zero. Ideias em ebulição. Milhares de anotações no meu bloquinho de cabeceira. Até sentir que está na hora de sentar para escrever. Algumas histórias saem de uma vez só, quer dizer, escrevo, escrevo, escrevo, até chegar ao final. Descanso. Reviso. Descanso. Reviso. Até achar que está apresentável (nunca fica pronta de verdade,não é mesmo?). Outras histórias, ficam adormecidas nos arquivos do meu computador (às vezes por anos), até estarem maduras, ou até eu chegar a conclusão de que não irão adiante. Eu só não jogo idéia alguma fora. Ela pode não virar um livro, mas, quem sabe, pode ser uma boa cena...
LD - O que desperta o gosto pela literatura no adolescente?
SP - Curiosidade. Identificação. Liberdade. Acho que o que jamais despertará o gosto pela leitura, seja no adolescente, seja em qualquer pessoa, é a obrigação. Até porque eu acredito que obrigação é o antônimo de literatura.
LD - Na tua opinião como se pode formar novos leitores?
SP - Ninguém se sente feliz fazendo algo chato e entediante, não é mesmo? Então acredito que leitores se formam de diversas maneiras: do encantamento, da busca da identificação, do exemplo...
Um livro chato e previsível, uma história que não diz absolutamente nada ao leitor, uma linguagem inacessível, acabam tendo o efeito oposto. Afastam o leitor. Além disso, tem o exemplo. Não adianta a escola incentivar a leitura, se a família não demonstrar que a considera importante. É que nem dizer a uma criança que deve comer verduras, mas os pais não colocam verdura no próprio prato.
LD - As mesmas do Bernard Pivot:
palavra que adora: amplexo
palavra que detesta: latrina
barulho que inspira: ondas batendo na praia
barulho que tira sua inspiração: britadeira
melhor hora do dia para criar: madrugada
profissão que jamais teria: médica
se o céu existe, o que gostaria de ouvir ao chegar lá: você fez diferença na vida de alguém.
Um comentário:
Parabéns, Luiz e Sandra!
Que histórias inspiradoras!
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