Duas ilustradoras pintam com perguntas e respostas o vice-versa de setembro. Uma nasceu e reside em Porto Alegre. A outra é paulista, mas reside no interior do RS e, além de ilustras, escreve. Em comum? O gosto pelas cores e imagens nos livros infantis. Com vocês, Laura Castilhos e Monika Papescu.
Monika pergunta. Laura responde.
Monika - Com certeza você nasceu com o “dom” para arte. Você acreditava nisso quando pequena ou foi seguindo na onda das tias artistas?
Laura - Acho que a opção pela arte ocorreu por dois motivos: vocação e estímulo por parte das tias Wanita e Zuleida. A oportunidade de frequentar uma escolinha de arte durante muitos anos também foi decisiva nesta minha escolha.
M -Por que você hesitou em se deixar levar pelas artes quando da escolha da faculdade?
L -Talvez por não ter, na minha família, e tão pouco no meu círculo de amigos, exemplos de profissionais da área de arte (o velho mito de que arte não dá dinheiro).
M - Na sua fase de estudante a ditadura estava em pleno vigor. Isso fez alguma diferença no seu desenvolvimento artístico?
L - Ainda que tenha participado de alguns eventos políticos no tempo da faculdade, meu trabalho artístico nunca foi engajado politicamente.
M - Se você não tivesse sido convidada para ilustrar uma coleção para a editora Projeto, você acha que teria entrado no mundo da literatura?
L - Sinceramente não sei Monika. Muitos professores comentavam que meu trabalho era muito ilustrativo (na época a onda era abstrata). Eu já pensava em ser ilustradora, mas desconhecia completamente o mercado editorial.
M - Como é seu processo de desenvolvimento das ilustrações assim que recebe um texto? Você se comunica com o autor na fase da criação?
L - Quase nunca. Geralmente procuro ler inúmeras vezes o texto. Logo parto para o Boneco no qual já trabalho a divisão do texto e da ilustração.
M - Já pensou em ser autora e ilustradora de uma obra?
L - Tenho muita vontade de escrever e ilustrar livros. No momento me dedico a ler obras infantis e juvenis. Também frequento a maravilhosa Confraria Reinações, coordenada por Caio Riter. Lá tenho aprendido muito sobre literatura.
M - Seus filhos influenciam no seu processo criativo?
L - Muito e isto é muito positivo. Alice e Francisco são extremamente críticos. Adoram ler e desde pequenos têm muito contato com a imagem e o texto literário. Assim que dão seus pitacos.
M - Você acha que seu estilo está concretizado ou percebe alguma mudança desde o início da sua carreira como ilustradora?
L - Ainda que concorde que o artista desenvolve um estilo pessoal, espero que meu estilo nunca se concretize completamente. Acho que devemos nos contaminar e conhecer estilos diversos.
Laura pergunta. Monika responde.
Laura - Desde pequena cresceste num ambiente propicio às artes. Qual foi tua primeira escolha profissional?
Monika - Desde pequena eu fazia desenhos e quadrinhos para jornaizinhos e, como participava de movimentos juvenis, fazia os logos dos grupos, dos eventos e todos os tipos de cartazes. Isso quer dizer que eu não escolhi a arte como minha profissão, acho que foi ela quem me escolheu. Mas, acredite ou não, eu também prestei para agronomia na faculdade. Ainda bem que não entrei, pois eu morro de aflição de minhoca.
L - Poderias contar um pouco mais sobre tua experiência como estudante de ilustração em Londres?
M - A forma como os ingleses trabalham as cores e as imagens é muito diferente da nossa, assim como a relação com as crianças. Existe a total formalidade ou a total despirocagem. Eu tive aula com dois ilustradores bem tradicionais que desgostavam por completo das minhas cores, intensas, e valorizavam as cores com baixa intensidade de luz. Mas eles eram muito ricos em passar informações e discutir, incansavelmente, sobre cada trabalho. Depois disso fui fazer um BTEC em graphic design onde a coordenadora do curso era totalmente underground e muito entusiasmada, isso nos dava ânimo para criar mais ainda, cada um no seu estilo, e explorar várias mídias desde o trabalho impresso até a animação. Em ambos os cursos os professores nos passavam muitas dicas de exposições, artistas, eventos e concursos. Um deles eu até ganhei; era um cartaz para divulgar a área infantil do “London Transport Museum”.
A vantagem de ser estudante em Londres é a facilidade de acesso a todas as culturas e aos lugares, pelo preço e transporte.
L - O que iniciou primeiro, a Monika escritora ou ilustradora?
M - Com certeza a ilustradora. Eu comecei a desenhar e pintar antes mesmo de aprender a escrever. Eu ficava atrás de meu pai assistindo ele a pintar horas e horas e o acompanhava nas aulas de pintura com modelo vivo. Mas ele nunca me ensinou técnicas. Somente falava se quisesse aprender a pintar teria que ser por conta própria, observando e experimentando até descobrir minha própria maneira de fazer. Mas o pintar por pintar não me satisfazia, eu queria aplicar as pinturas e desenhos em alguma coisa. Assim descobri a animação, a ilustração de matérias em revistas e por fim a ilustração de livros. O escrever veio bem depois. Eu sempre gostei de ouvir histórias e inventar histórias, até que experimentei colocá-las no papel, e continuo experimentando.
L - És paulista e atualmente vives em uma zona rural perto de Porto Alegre. Enquanto profissional esta mudança "territorial" trouxe alterações nas relações de trabalho (com as editoras, por exemplo)?
M - Os contatos ficam um pouco mais difíceis, dependo do e-mail para tudo. Acredito que se estivesse morando na cidade teria mais trabalho com as editoras de livros e revistas, pois o corpo a corpo ainda é o que funciona melhor. Também não participo de eventos e encontros, somente das feiras de livros. É o preço da escolha. Mas eu trabalho muito bem por e-mail e tenho alguns parceiros de trabalho espalhados pelo Brasil, e isso graças à Internet.
L - E a vivência no campo, em uma vida bucólica e fora da loucura dos grandes centros, influencia estilisticamente teu trabalho?
M - No campo não temos a loucura da cidade, mas tem a loucura do campo. Além do meu trabalho urbano eu ainda cuido das 20 galinhas e ajudo a cuidar dos outros bichos. E tudo isso influencia muito. Não só nas minhas histórias, onde os personagens são todos tirados daqui, mas principalmente nos materiais e cores. Eu gosto de usar as plantas, cascas, terra, e o que encontro, nas ilustrações e estou sempre observando as cores. Parece que as cores no campo são mais intensas, tem mais contraste, são mais presentes do que as cores na cidade. Aqui não tem o cinza para amenizar a paisagem e tem espaço. Eu não conseguiria criar num ambiente apertadinho, sou muito espaçosa.
L - Tens conhecimentos em distintas áreas, cenografia, animação, ilustração, literatura. Atuas em projetos culturais e educativos. Como administras tudo isto, e de que modo estes saberes contribuem na criação de teus livros?
M - Eu também trabalho na APAE!
A minha ilustração é muito conceitual, por isso encaro como variação sobre o mesmo tema. A cenografia e os bonecos nada mais são do que a ilustração tridimensional em outra escala, as animações são os mesmos desenhos em movimento e a literatura é a ilustração descrita em palavras. A vida é uma ilustração em várias linguagens. Nós a criamos, a damos movimento e amplitude. E depois de publicada não tem mais como mudar, é passar para a próxima. Existe uma relação entre cada área que atuo, eu aprendo em uma e aplico na outra, tudo é muito próximo. E para administrar tudo isso existem os dias da semana, cada dia é para uma coisa e meu dia começa às 5:30 da manhã, antes do Don Aderbal de la Crista Roja cantar. Os livros são o resultado de toda essa experiência.
L - Poderias descrever a relação que a Nina tem com a mãe ilustradora e escritora?
M - A Nina é minha parceirona. Desde os 3 meses de idade ela me acompanha nas feiras de livros e encontros com crianças e ela ocupa 70% da minha prancheta de desenho e me deixa espremidinha no cantinho. A Nina opina bastante e eu presto muita atenção no que ela diz. É como se fosse uma co autora do meu trabalho.
L - Quais são teus projetos futuros? Tens algum livro saindo do forno?
M - Meu projeto mais doido é mudar de cidade. Estou trabalhando para mudarmos para o interior de São Paulo até o início do ano que vem. Isso implica em emprego e trabalhos com ilustração e com as APAES da região.
Ano que vem sai um livro com texto meu e outro ilustrador, o que para mim é bem estranho, mas gosto da ideia. É sobre Don Aderbal de La Crista Roja, meu galo carijó que canta bem pequenininho e sempre fora de hora. Também tem um projeto meu antigo ressuscitado com dois outros parceiros e estamos esperando pelo resultado do Fumproarte. E por último, pelo menos até agora, estou esperando a resposta de outra editora de Minas para um livro cuja história é da Nina e eu coloquei o texto e ilustrei. Vai ser o primeiro livro dela, árvore ela já plantou de monte, só falta mais uns 20 anos para ter o filho.
Um comentário:
Adorei esta entrevista, parabéns às duas!!!
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